A Paisagem

A poucos quilómetros da cidade deixámos a estrada alcatroada e embrenhámo-nos pelo mato. A vegetação verdejante que corria ao lado da estrada perde o seu viço e plantas e, ervas oferecem aspeto desolador.

O jipe passa a custo por entre árvores espinhosas que riscam os vidros como unhas de gato assanhado. Aqui e além, pequenos répteis atravessam o caminho deixando na areia o rasto por onde passaram. Cada planta parece gritar a Deus a bênção de uma gota de água. A cantilena monótona das cigarras torna mais duro ainda o ar que respiramos.

Mais ao longe o caminho desce. A nossos pés uma planície baixa, inundada de lagoas aqui e além.

Foi nessa terra alagadiça que se fixaram grupos de camponeses que arrancam à terra os seus produtos em troca de muito suor.

Parámos à sombra de um cajueiro, tirámos a merenda do bornal e bebemos água fresca. Um agricultor que passa ao nosso lado saúda-nos com muito respeito. Oferecemos da nossa merenda e, em paga, fomos convidados a acompanhá-lo à machamba, onde orgulhosamente nos foi mostrando o fruto de dez anos de trabalho. Este pedaço de verdura no fundo de um vale tem o gosto de um oásis num deserto.

Mal sabia esse herói da terra que dias depois, um rio embravecido sairia do leito para arrasar aquele jardim.

Como é incerta a nossa vida!

Regressámos a casa. Os mesmos picos aguçados lá estavam ameaçadores, respirámos por fim na estrada larga e escura não podendo porém esquecer aqueles que, numa luta constante arrancam da terra ingrata o seu sustento.

Fernando Rosa/Moçambique

Recordações II

                                                       Redação

                         Dia de Chuva ( África)

Nada mais aborrecido para o citadino elegante que um dia de chuva; nem lhe digam que ela beneficia a lavoura porque dia sem sol já não é do seu agrado.
Estamos ainda na cama e ouvimo-la a cantar no telhado, ao princípio, numa toada suave depois em verdadeiras cataratas. Mentalmente, fazemos o nosso plano: mais tempo para a viagem, guarda-chuva em ação e alguma capa impermeável que nos defenda a pele de tão incómoda visita.
Lá fora, a imagem é divertida. Todos se acomodam debaixo de equilíbrio com o guarda-chuva soprado pelo vento. Involuntariamente tocamos nalgum transeunte que se aflige por coisa tão insignificante. Os carros atiram jorros de água sobre os pobres peões e atrás das portas, os guarda-chuvas são nascentes de regatinhos.
Meia hora depois, o sol rompe através das nuvens e o inverno transforma-se em sufocante verão.
Surpresas de África.

Fernando Lopes Rosa

Recordações

                                             Redação

             “O que eu vejo da janela do meu quarto”

Debruçado na janela do meu quarto abro bem os olhos para ver o que vai lá fora: longínquos um par de namorados ciciam palavras doces, adivinhando um mundo que ainda lhes não pertence.
Quem me dera ser como eles, entregue à mesma irresponsabilidade voando muito alto, longe da realidade.
Subindo a calçada, uma velhinha trôpega estende a mão à caridade e eu fico-me a pensar como a sociedade é tão egoísta que não deixa a cada pessoa o suficiente para viver...”uma esmolinha por amor de Deus”! Sim, quem não lhe dará alguma coisa daquilo que sobra para que a velhinha não tenha fome?
Dobrando a esquina da rua a velha presunçosa, coberta de adornos e de pó de arroz que nem assim consegue esconder os muitos anos que roubaram a sua beleza. Só o homem sabe mentir, fingindo ser aquilo que não é. Fazendo de agruras e sempre atrás do arco, criando problemas de trânsito lá vai o garoto descalço mas feliz, senhor de um reino que é a rua de um cetro que é o seu arquinho.
Que saudades do tempo em que também assim fui.
E tantas coisas mais eu vejo da janela do meu quarto neste palco imenso que é o mundo.

*Fernando Lopes Rosa*